Crescimento de Processos Éticos Contra Médicos: Um Sinal de Alerta para Profissionais da Saúde

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O número de processos ético-profissionais (PEPs) contra médicos, instaurados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), aumentou 55% nos últimos quatro anos, conforme revelou matéria publicada pelo Estadão, com dados oficiais obtidos via Lei de Acesso à Informação.

Em 2023, 729 processos chegaram à esfera federal do conselho, um salto expressivo quando comparado aos 470 casos de 2019. O ápice foi em 2022, com 831 novos processos, o maior número desde 2015. O CFM atribui essa alta ao represamento de casos durante a pandemia, quando os ritos processuais sofreram atrasos.

Especialidades Mais Alcançadas

As áreas com maior número de punições em julgamentos foram:

Ginecologia e Obstetrícia lidera o ranking, essa especialidade foi responsável por cerca de 23,8% das punições aplicadas nos julgamentos em plenário do CFM em 2023. As infrações mais comuns envolvem questões relacionadas à condução de partos, procedimentos cirúrgicos, consentimento informado e, infelizmente, também casos de desrespeito ao pudor ou condutas antiéticas na relação médico-paciente.

A Clínica Médica representa 11,9% dos casos, e aparece na segunda posição. As punições nesse campo abrangem desde falhas no diagnóstico e omissão de cuidados, até problemas de comunicação com o paciente e ausência de registro adequado em prontuário médico. Trata-se de uma especialidade com grande volume de atendimento, o que naturalmente eleva a exposição ao risco ético.

Cirurgia Plástica que aprece com 9,5% das punições,. O aumento da demanda por procedimentos estéticos, muitas vezes associado à publicidade médica inadequada ou à realização de cirurgias com resultados insatisfatórios, tem ampliado a judicialização e o número de denúncias éticas contra profissionais da área.
Além disso, os processos envolveram acusações que vão desde imperícia, imprudência e negligência, até infrações éticas mais graves, como assédio, mercantilismo na medicina e emissão de documentos falsos.

Por Que Este Tema Deveria Preocupar os Gestores e os Próprios Médicos?

Esse crescimento não pode ser visto apenas como uma questão numérica ou estatística. Ele traz à tona uma necessidade urgente de reflexão sobre conduta profissional, qualidade na formação médica e atualização constante sobre o Código de Ética Médica.

Outro ponto importante: os processos éticos podem ter consequências severas, incluindo advertência, suspensão e até cassação do registro profissional. Somente em 2023, 16 médicos foram impedidos definitivamente de exercer a medicina.

O aumento de processos éticos no CFM é um alerta para toda a comunidade médica e para os gestores de saúde. Mais do que números, os dados mostram que ética, qualidade na assistência e segurança jurídica devem caminhar juntas.

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Se você é médico e está respondendo ou prestes a responder a um processo ético, consultar um advogado especializado em Direito Médico é uma medida preventiva essencial.

O processo ético no âmbito dos Conselhos de Medicina possui ritos próprios, prazos curtos e exige uma defesa técnica adequada. Além da defesa, o acompanhamento jurídico pode ajudar na orientação sobre o que dizer (e o que evitar) em audiências, oitivas e durante a tramitação processual.

Fonte: Estadão – Reportagem de Bárbara Giovani, publicada em 02/07/2024.


Alan Martinez Kozyreff é advogado, professor universitário, doutorando em Ciências Farmacêuticas, mestre em Direito da Saúde, especialista em Direito e Processo do Trabalho, Direito Previdenciário.

Publicações e artigos

Por alankozyreff 18 de junho de 2025
A sigla ESG (Environmental, Social and Governance) há alguns anos ganhou destaque nos ambientes corporativos, deixou de ser um diferencial para se tornar uma exigência estratégica – e o setor da saúde não é uma exceção. Clínicas, hospitais, laboratórios e operadoras de saúde estão sendo cada vez mais cobrados por investidores, órgãos reguladores, pacientes e pela própria sociedade a adotar práticas responsáveis em relação ao meio ambiente, ao impacto social e à governança corporativa. O que significa ESG na prática para a saúde? 1. Environmental (Ambiental): Instituições de saúde são grandes consumidoras de recursos naturais e também geram resíduos com potencial risco ambiental. A gestão adequada de resíduos hospitalares, a eficiência energética, a redução de emissão de gases e o uso racional da água são temas que ganham força. Gestores que implementam políticas ambientais claras não apenas reduzem custos a longo prazo, mas também protegem a imagem da instituição diante de um público cada vez mais preocupado com sustentabilidade. 2. Social (Social): A dimensão social do ESG é talvez a mais sensível no setor da saúde. Ela envolve: • Segurança e bem-estar dos pacientes; • Condições adequadas de trabalho para os colaboradores; • Diversidade e inclusão nas equipes; • Relacionamento ético com comunidades locais; • Acesso igualitário aos serviços de saúde. Hospitais e clínicas que investem em segurança do paciente, por exemplo, reduzem eventos adversos, melhora seus indicadores assistenciais e diminui o risco de litígios, conectando a agenda social à redução de passivos jurídicos. 3. Governance (Governança): Boa governança significa transparência, ética e responsabilidade na gestão. No setor da saúde, isso passa por: • Cumprimento rigoroso da legislação (inclusive sanitária e regulatória); • Prevenção de fraudes e corrupção; • Políticas claras de compliance; • Estruturas de governança clínica, com protocolos assistenciais baseados em evidências. Gestores que promovem uma governança sólida criam instituições mais seguras, confiáveis e menos vulneráveis a escândalos ou sanções regulatórias. ESG como vetor de sustentabilidade do negócio Além de uma exigência ética e social, a agenda ESG traz impactos diretos na sustentabilidade financeira das instituições de saúde. Investidores institucionais e grandes grupos de capital estão cada vez mais atentos a indicadores ESG antes de aportar recursos. Além disso, as próprias operadoras de planos de saúde e órgãos públicos têm valorizado clínicas e hospitais que demonstram responsabilidade socioambiental e boas práticas de gestão. Como começar? Para os gestores que desejam iniciar ou fortalecer a integração ESG na gestão da saúde, alguns passos práticos incluem: • Diagnóstico interno: entender onde estão os maiores riscos e oportunidades em cada um dos pilares ESG; • Definição de metas: criar indicadores mensuráveis e alcançáveis; • Engajamento das lideranças: sem o apoio da alta gestão, a cultura ESG dificilmente se consolidará; • Comunicação transparente: compartilhar avanços com colaboradores, pacientes e a sociedade. Conclusão A agenda ESG é, hoje, um fator estratégico para a gestão da saúde. Mais do que uma tendência de mercado, ela representa um novo padrão de responsabilidade que impacta a sustentabilidade, a reputação e até mesmo a viabilidade econômica das instituições. Investir em ESG é investir no futuro da saúde.
Por alankozyreff 16 de junho de 2025
No cenário da saúde, onde a vida e o bem-estar estão em jogo a todo momento, a responsabilidade civil de clínicas e hospitais é um tema de grande importância que todo gestor precisa dominar. Compreender os contornos dessa responsabilidade não é apenas uma questão jurídica, mas um pilar fundamental para a segurança do paciente, a reputação da instituição e a sustentabilidade do negócio. A Responsabilidade Civil na Área da Saúde A responsabilidade civil em ambientes de saúde, via de regra, recai sobre a clínica e o hospital, independentemente da comprovação de culpa — é a chamada responsabilidade objetiva. Isso significa que a falha na prestação do serviço — seja por erro médico, falha de equipamento, infecção hospitalar ou qualquer outro incidente que cause dano ao paciente — pode gerar o dever de indenizar. Por outro lado, para os médicos e demais profissionais de saúde, a responsabilidade costuma ser subjetiva, ou seja, depende da comprovação de culpa (negligência, imprudência ou imperícia). A Complexidade Jurídica para Gestores de Saúde Entender a base jurídica da responsabilidade civil é importante para os gestores. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é a principal legislação que ampara o paciente, reconhecendo-o como consumidor dos serviços de saúde. O artigo 14 do CDC estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços — no caso, o hospital ou a clínica — pelos danos causados aos consumidores por defeitos na prestação dos serviços. Na prática, isso significa que, para que a clínica ou o hospital sejam responsabilizados, o paciente precisa comprovar apenas dois elementos: o dano sofrido e o nexo de causalidade entre o serviço prestado e o dano. A culpa da instituição, em si, não precisa ser demonstrada. Trata-se da aplicação da teoria do risco da atividade, segundo a qual quem explora economicamente uma atividade também deve arcar com os riscos inerentes a ela. Exceções Importantes Existem situações em que a responsabilidade pode ser afastada ou atenuada: · Culpa exclusiva do paciente: Quando houver prova de que o dano decorreu de conduta exclusiva do próprio paciente, como o descumprimento de orientações médicas ou a omissão de informações relevantes. · Culpa exclusiva de terceiros: Danos causados por pessoas sem vínculo com o hospital ou a clínica. · Caso fortuito ou força maior: Situações imprevisíveis e inevitáveis, como desastres naturais, que fogem ao controle da instituição. Nestes casos, a exclusão de responsabilidade exige prova robusta. · Erro de profissional de saúde: Embora a responsabilidade do hospital não seja excluída, a instituição pode exercer o direito de ação de regresso contra o profissional que agiu com culpa, buscando o ressarcimento da indenização paga ao paciente. A Importância do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Uma ferramenta essencial na gestão do risco jurídico é o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Este documento formaliza que o paciente foi devidamente informado sobre os procedimentos aos quais será submetido, incluindo: · A natureza e os objetivos do tratamento; · Os riscos envolvidos; · As alternativas terapêuticas disponíveis; · As possíveis consequências da recusa ao tratamento. O TCLE não elimina a responsabilidade da instituição, mas serve como prova de que o paciente teve ciência dos riscos e concordou com a realização do procedimento de forma voluntária e consciente. Além de ser uma exigência ética e legal, o consentimento informado pode ser um elemento decisivo em eventual processo judicial, demonstrando que houve comunicação clara e transparente entre os profissionais de saúde e o paciente. Portanto, é fundamental que o termo seja elaborado com linguagem acessível, revisado periodicamente e que a equipe esteja treinada para orientar os pacientes no momento da assinatura. Implicações Práticas e Estratégias para Gestores. O que isso significa, na prática, para os gestores? Protocolos de segurança e capacitação contínua: A minimização de riscos exige processos bem definidos, treinamento constante e equipamentos modernos e devidamente mantidos. Gestão proativa de riscos: Implementação de sistemas de notificação e análise de eventos adversos, identificação de causas-raiz e adoção de medidas preventivas. Uma cultura de segurança do paciente deve ser estimulada, com comunicação aberta e foco na melhoria contínua. Documentação rigorosa: Além dos registros clínicos e administrativos, a guarda adequada de documentos como o TCLE e os registros de treinamentos pode ser decisiva em caso de litígio. Assessoria jurídica especializada: Ter ao lado profissionais do Direito com experiência na área da saúde é indispensável, tanto na prevenção quanto na gestão de crises. Conclusão A responsabilidade civil não é um mero detalhe burocrático: é um aspecto central da gestão em saúde. Ao priorizar a segurança do paciente, garantir a qualidade dos serviços e adotar uma postura de conformidade legal e ética, os gestores podem construir instituições mais resilientes, confiáveis e preparadas para os desafios do setor. Estar juridicamente bem-informado é um diferencial competitivo e uma demonstração de compromisso com a excelência no cuidado com o paciente.
Por alankozyreff 25 de janeiro de 2023
A bioética medicinal pauta-se por quatro pilares: veracidade, privacidade, confidencialidade e fidelidade, de modo a preservar não só os direitos inerentes à personalidade, senão também a própria relação de confiança essencial aos tratamentos. O interesse científico não pode se sobrepor aos direitos humanos dos pacientes, devendo ser compatibilizados. No caso, trata-se de violação da confidencialidade dos dados médicos. Em observância aos ditames do Código de Ética Médica, do Conselho Federal de Medicina, bem como do Conselho Nacionalde Saúde e da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, não resta dúvida, sobre o modo como se procedem as publicações em geral, e as científicas em particular. É do autor a responsabilidade pelo material submetido, sendo descabida a restrição da condenação unicamente à editora. Tais casos não se confundem, por exemplo, com a atividade jornalística, em que a revista é dona do processo editorial e pode intervir com assertividade não só no fluxo como no texto da publicação, na medida em que os profissionais de imprensa estão funcionalmente submetidos aos ditames da empresa. É certo que os editores deveriam ter rejeitado a publicação naqueles termos, com a exibição da face e torso desfigurados da paciente, quiçá concedendo aos médicos a possibilidade de submeter novamente o texto e as imagens; a imposição de medidas mitigadoras da exposição certamente era também responsabilidade dos editores. Contudo, isso não isenta os autores da responsabilidade primária pelo registro (também a captação não foi autorizada, nem mesmo de forma subsequente à recuperação da vítima) e sua submissão à publicação científica. Nesse campo específico (pesquisa e divulgação científica), são os autores os responsáveis pelo texto e seus acessórios. Enquadram-se, assim, os médicos-autores do artigo no conceito de agente do ato ilícito, nos termos do arts. 159 e 1.518 do Código Civil/1916, vigente à época.  Fonte: Informativo Edição Especial nº 8, 17 de janeiro de 2023. Processo sob segredo de justiça, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 16/8/2022, DJe 31/8/2022
28 de dezembro de 2022
A nova lei da telemedician e da telessáude.
20 de dezembro de 2022
A partir de 16 de janeiro do ano que vem, as empresas terão de inserir no eSocial (sistema de registro de informações dos trabalhadores brasileiros) dados de praticamente todas as condenações definitivas na Justiça do Trabalho. Também será obrigatório informar acordos firmados com ex-empregados. Segundo as regras do manual da nova versão do eSocial (Versão S-1.1), as empresas deverão registrar casos — ações e acordos celebrados nas Comissões de Conciliação Prévia (CCP) e nos Núcleos Intersindicais (Ninter) — concluídos a partir de 1º de janeiro de 2023. As empresas também terão de informar dados dos processos em que foram condenadas de forma solidária ou subsidiária. Também serão exigidas informações sobre o período em que o funcionário trabalhou na empresa, remuneração mensal, pedidos do processo e o que diz a condenação, além da base de cálculo do FGTS e da contribuição previdenciária. O prazo para que as empresas apresentem essas informações termina no 15º dia do mês subsequente à decisão ou ao acordo homologado. Em nota enviada ao jornal Valor Econômico, o Ministério do Trabalho afirmou que "a implantação beneficiará os empregadores, reduzindo o tempo despendido na declaração das informações de processos judiciais trabalhistas. Vai evitar, por exemplo, que o empregador reabra e reprocesse as folhas de pagamento relativas a várias competências apenas para incluir diferenças salariais de um trabalhador". A Receita Federal, por sua vez, diz que a novidade vai aumentar a segurança de todo o processo e melhorar a qualidade das informações prestadas. Fonte: Conjur
Por alankozyreff 4 de setembro de 2022
O avanço tecnológico tem proporcionado à humanidade um grande número de benefícios, dos mais variados aspectos. Os cuidados médicos estão evoluindo cada vez mais com o aprimoramento científico das pesquisas e isso é possível notar tanto pela evolução dos equipamentos médicos quanto pela qualidade dos novos medicamentos, tratamentos e dispositivos médicos colocados à disposição dos pacientes. A telemedicina ainda enfrenta algumas barreiras no território nacional, que até mesmo foram expostas no artigo publicado neste Megajurídico em https://www.megajuridico.com/desafios-eticos-e-legais-da-telemedicina/, e ainda possuem dois projetos de lei que visam a sua regulamentação (PL 1998 de 2020 e o PL 4398 de 2021). Para dar mais um passo no aperfeiçoamento do tema, e visando a maior segurança do médico e do paciente, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 2.314, de 20 de abril de 2022, que define e regulamenta a telemedicina como forma de serviços médicos mediados por tecnologias de comunicação. A telemedicina como podemos verificar do seu próprio termo é a medicina realizada à distância. Da expressão “tele” advém a ideia de distância, ou seja, é a prática da medicina à distância. Como exposto no art. 1º da Resolução 2.314/2022, a telemedicina necessariamente ocorre com a mediação de Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação (TDICs) e ela pode ocorrer tanto de forma on-line ou off-line. O art. 5º da resolução é disposto que ela pode ser exercida nas seguintes modalidades: teleconsulta, teleinterconsulta, telediagnóstico, telecirurgia, telemonitoramento ou televigilância, teletriagem e teleconsultoria. Em qualquer modalidade que ela seja adotada, devem ser observados os padrões normativos e éticos usuais do atendimento presencial, inclusive em relação à contraprestação financeira pelo serviço prestado (art. 16). Neste aspecto, o médico deve ajustar previamente com o paciente e as prestadoras de saúde o valor do atendimento prestado, tal qual no atendimento presencial (parágrafo único do art. 16). A resolução neste aspecto traz a ideia de uma atuação semelhante ao que ocorre no ambiente presencial. A autonomia do médico em usar ou não a telemedicina, deve respeitar a beneficência e a não maleficência do paciente, princípios bioéticos previstos no art. 4º da CLT e o profissional deve indicar o atendimento presencial sempre que entender necessário. O art. 15 regulamenta que o paciente, ou seu representante legal, deve autorizar o atendimento por telemedicina e a transmissão das suas imagens e dados por meio de (termo de concordância e autorização) consentimento, livre e esclarecido, enviado por meios eletrônicos ou de gravação de leitura do texto com a concordância, devendo fazer parte do SRES do paciente. É disposto ainda que em todo atendimento por telemedicina deve ser assegurado o consentimento explícito, no qual o paciente, ou seu representante legal, deve estar consciente de que suas informações pessoais podem ser compartilhadas e sobre o seu direito de negar permissão para isso, salvo em emergência médica. A proteção dos dados do paciente é uma grande preocupação da telemedicina e o art. 3º da referida resolução dispõe que eles devem ser preservados, seja na guarda, no manuseio, na integridade, na veracidade, na confidencialidade, na privacidade, na irrefutabilidade e na garantia do sigilo profissional das informações, de acordo com a lei e com as normas regulamentadas pelo CFM. O atendimento médico deve necessariamente ser registrado no Sistema de Registro Eletrônico de Saúde (SRES) do paciente, que deve possibilitar a captura, o armazenamento, a apresentação, a transmissão e a impressão da informação digital e identificada em saúde e atender integralmente aos requisitos do Nível de Garantia de Segurança 2 (NGS2), no padrão da infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) ou outro padrão legalmente aceito. Esses dados devem ser preservados pelo médico responsável pelo atendimento em consultório próprio ou do diretor/responsável técnico, no caso de interveniência de empresa e/ou instituição. Caso haja terceirização do arquivamento desses documentos virtuais, a responsabilidade deve ser, contratualmente, compartilhada entre o médico e a empresa contratada. O direito do paciente em ter acesso ao seu prontuário é reforçado e o §6º do art. 3º dispõe que ele, ou seu representante legal, podem receber tanto o arquivo em mídia digital, ou impresso. A Lei Geral de Proteção de Dados, por óbvio, é mencionada na resolução de modo que os dados devem ser preservados, devendo obedecer às suas disposições quanto aos dados pessoais e clínicos. O §8º do art. 3º da CLT dispõe que o médico, ao utilizar plataformas institucionais (onde ele esteja atuando), deve dar acesso aos dados do paciente, sendo respeitado o período de preservação das informações. Com relação às pessoas jurídicas, que prestarem serviços de telemedicina, e as plataformas de comunicação e arquivamento de dados, devem ter sede estabelecida em território brasileiro e estarem inscritas no Conselho Regional de Medicina do Estado onde estão sediadas, com a respectiva responsabilidade técnica de médico regularmente inscrito no mesmo Conselho, conforme disposto no art. 16 da Resolução nº 2.314. Com relação à inscrição no Conselho Regional de Medicina, o médico deve ser devidamente inscrito no de sua jurisdição e informar a entidade a sua opção de uso de telemedicina (art. 17, 1º). A apuração de eventual infração ética a esta resolução será feita pelo CRM de jurisdição do paciente e julgada no CRM de jurisdição do médico responsável (art. 17 §2º). Com relação à vigilância, fiscalização e avaliação das atividades de telemedicina, os Conselhos Regionais de Medicina deverão estabelecer vigilância, fiscalização e avaliação quanto à qualidade da atenção, relação médico-paciente e preservação do sigilo profissional. Teleconsulta Regulamenta o art. 6º da Resolução nº 2.314 de 2022 que teleconsulta é a consulta médica não presencial, mediada por TDICs, com médico e paciente localizados em diferentes espaços. O atendimento presencial é ainda o chamado padrão ouro de referência e a telemedicina deve vir para somente complementar, mas sempre deve respeitar a autonomia do médico. No uso da telemedicina o médico deverá informar ao paciente sobre as limitações inerentes ao uso da teleconsulta, pela impossibilidade de realização de exame físico completo, podendo o médico solicitar a presença do paciente para finalizá-la (§4º). Tanto o paciente quanto o médico possuem o direito de optar pela interrupção do atendimento a distância, ou pela consulta presencial, sendo respeitado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pré-estabelecido entre o médico e o paciente (§5º). Quanto à primeira consulta por telemedicina, ela pode ocorrer desde que atenda às condições físicas e técnicas dispostas na resolução, com obediência das boas práticas médicas, devendo dar seguimento ao acompanhamento com consulta médica presencial. No entanto, em casos de atendimentos de doenças crônicas ou doenças que requeiram acompanhamento por longo tempo, deve ser realizada consulta presencial com o médico assistente do paciente, em intervalos não superiores a 180 dias (§2º). Teleinterconsulta Pela resolução, a teleinterconsulta é a troca de informações e opiniões entre médicos, com auxílio de TDICs, com ou sem a presença do paciente, para auxílio diagnóstico ou terapêutico, clínico ou cirúrgico (art. 7º). A responsabilidade pelo acompanhamento presencial é do médico assistente responsável e a responsabilidade dos demais médicos envolvidos deve ocorrer somente por seus atos. Telediagnóstico Outra definição trazida pela resolução é o telediagnóstico, que é o ato médico a distância, geográfica e/ou temporal, com a transmissão de gráficos, imagens e dados para emissão de laudo ou parecer por médico com registro de qualificação de especialista (RQE) na área relacionada ao procedimento, em atenção à solicitação do médico assistente (art. 8º). Com o telediagnóstico ocorre a emissão de laudo ou avaliação de exames através de dados de imagens e gráficos enviados pela internet. É a possibilidade de uso de tecnologia para fornecer informação e atenção médica a pacientes e outros profissionais de saúde situados em locais distantes. A imposição da resolução é, no entanto, que os serviços onde os exames estão sendo realizados devem contar com um responsável técnico médico. Telecirurgia A telecirurgia é a realização de procedimento cirúrgico a distância, com utilização de equipamento robótico e mediada por tecnologias interativas seguras e está disciplinada na Resolução nº 2.311 de 2022 do CFM e é definida como a modalidade de tratamento cirúrgico a ser utilizada por via minimamente invasiva, aberta ou combinada, para o tratamento de doenças em que já se tenha comprovado sua eficácia e segurança. Telemonitoramento ou Televigilância O telemonitoramento ou a televigilancia cresceu muito na pandemia, quando o distanciamento social era uma das formas de cuidado das pessoas para que não ocorresse a disseminação do vírus. Ele pode ocorrer por telefone, na situação em que o médico conversa com o paciente para verificar alguma alteração na sua saúde, como no uso de ferramentas que auxiliam o profissional para coleta e envio de dados em tempo real. Geralmente as funções que realizam são as de medir a glicose de pessoas com diabetes monitorar os batimentos cardíacos, aferir a pressão arterial e a temperatura corporal. O art. 10 da Resolução nº 2.314 dispõe que o telemonitoramento e a televigilância médica é o ato realizado sob coordenação, indicação, orientação e supervisão por médico para monitoramento ou vigilância a distância de parâmetros de saúde e/ou doença, por meio de avaliação clínica e/ou aquisição direta de imagens, sinais e dados de equipamentos e/ou dispositivos agregados ou implantáveis nos pacientes em domicílio, em clínica médica especializada em dependência química, em instituição de longa permanência de idosos, em regime de internação clínica ou domiciliar ou no translado de paciente até sua chegada ao estabelecimento de saúde. O seu uso deve ocorrer por indicação e justificativa do médico assistente do paciente e deve haver garantia de segurança e confidencialidade, tanto na transmissão quanto no recebimento de dados. A responsabilidade técnica da transmissão dos dados deve ser da instituição de vinculação do paciente. A interpretação dos dados e emissão de laudos deve ser feita por médico regularmente inscrito no CRM de sua jurisdição e com registro de qualificação de especialista (RQE) na área relacionada a exames especializados (§4º). Os dados devem ser adequadamente registrados no prontuário do paciente (§6º). A intermediação do atendimento pode ser feita por pessoas contratadas pelo serviço médico, que deverá promover o devido treinamento de recursos humanos. Teletriagem A teletriagem médica é uma modalidade remota de avaliação, encaminhamento e priorização de atendimentos aos pacientes. Com a teletriagem é possível dar efetividade na organização das unidades de saúde, direcionando os atendimentos com base naqueles que são prioritários, que precisam de encaminhamento ou que podem ser resolvidos de maneira não urgente. Este serviço também ganhou importância com a COVID19. A resolução mencionada dispõe que o médico deve destacar e registrar que se trata apenas de uma impressão diagnóstica e de gravidade, tendo autonomia da decisão de qual recurso será utilizado em benefício do paciente. Teleconsultoria Médica A teleconsultoria médica é uma consulta registrada e realizada entre trabalhadores, profissionais e gestores da área da saúde, com o intermédio das TDICs, com a finalidade de prestar esclarecimentos sobre procedimentos administrativos e ações de saúde (art. 12). Relatório, Atestado ou Prescrição médica Nos termos do art. 13 da Resolução 2.314, no caso de emissão à distância de relatório, atestado ou prescrição médica, deverá constar obrigatoriamente em prontuário: a) Identificação do médico, incluindo nome, CRM, endereço profissional; b) Identificação e dados do paciente (endereço e local informado do atendimento); c) Registro de data e hora; d) Assinatura com certificação digital do médico no padrão ICP-Brasil ou outro padrão legalmente aceito; e) que foi emitido em modalidade de telemedicina. Teleconferência Médica A teleconferência médica é uma ferramenta que é realizada uma videotransmissão síncrona, de procedimento médico para fins de assistência, educação, pesquisa e treinamento, com autorização do paciente ou seu responsável legal. O art. 14 da Resolução nº 2.314 de 2022 dispõe que o grupo de recepção de imagens, dados e áudios deve ser composto exclusivamente por médicos e/ou acadêmicos de medicina, todos devidamente identificados e acompanhados de seus tutores. No caso de eventos multiprofissionais há necessidade de observância da Resolução CFM nº 1.718 de 2004, que veda o médico de transmitir conhecimento, ensinar procedimentos privativos de médico a profissionais não-médicos.
Por Alan Martinez Kozyreff 18 de agosto de 2022
No Correio Brasiliense de 13/03/2020, Francisco Balaguer Callejón iniciou o seu artigo com uma frase bastante emblemática: Alguém, em algum lugar da China, remoto ao que nos possa parecer, compra um animal selvagem num mercado para seu consumo alimentar. Três meses depois, essa decisão provoca mais de 4 mil mortos e mais de 100 mil infectados por coronavírus[1]. No presente momento, em 31/01/2020, o mundo registra pouco mais de 52 mil mortes e mais de 1 milhão de pessoas infectadas, conforme dados extraídos da Universidade Johns Hopkins[2]. Para o enfrentamento desta pandemia o Brasil, tal como vários países do mundo, editaram diversas legislações para organizar a sociedade e dispor sobre as novas situações que estão surgindo. A principal lei, até o presente momento, é de número 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. Desta lei derivou uma série de novas normas editadas pelos entes diversos da federação e que vão desde Medidas Provisórias até resoluções, de modo que o arcabouço jurídico está sendo construído conforme necessidades e fatos novos são apresentados aos gestores. As ferramentas que o poder público poderá implementar são aquelas dispostas no art. 3º da referida lei: isolamento; quarentena; determinação compulsória de exames; testes vacinas etc.; estudo ou investigação epidemiológica; exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver; restrição excepcional e temporária de rodovias, portos ou aeroportos; requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas; e autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa. O isolamento e a quarentena estão regulamentados pela Portaria nº 356 de 2020 e esta expõe que objetiva a separação de pessoas sintomáticas ou assintomáticas, em investigação clínica e laboratorial, de maneira a evitar a propagação da infecção e transmissão local (art. 3º). Esta medida somente poderá ser determinada por prescrição médica ou por recomendação do agente de vigilância epidemiológica, por um prazo máximo de 14 dias, podendo se estender por até igual período, conforme resultado laboratorial que comprove o risco de transmissão (§1º). A quarentena deve ser decretada com o objetivo de garantir a manutenção dos serviços de saúde em local certo e determinado. A medida de quarentena deve ser determinada mediante ato administrativo motivado, devendo ser editada por Secretário de Saúde do Estado, do Município, do Distrito Federal ou Ministro de Estado da Saúde com publicação no Diário Oficial, tendo prazo de até 40 dias, podendo se estender pelo tempo necessário para reduzir a transmissão comunitária e garantir a manutenção dos serviços de saúde no território (§1º e §2º do art. 4º). O não cumprimento do isolamento ou da quarentena pode acarretar a aplicação de medidas que visem à responsabilização do infrator (art. 5º). Note-se que a restrição de pessoas é medida excepcional sendo necessária, pois o exercício de um direito individual pode expor a sociedade a um risco maior (saúde pública). Portanto, o Estado está autorizado a trazer certa limitação ao direito individual, desde que a medida seja justificada e razoável. Importante destacar que o §2º do art. 3º da Lei nº 13.979/2020 dispõe que as pessoas afetadas pelas medidas mencionadas possuem o direito de informação sobre o seu estado de saúde e a assistência à família, de receberem tratamento gratuito e pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas. No entanto, em caso de descumprimento das medidas impostas, a pessoa poderá ser chamada à responsabilização pelos danos causados. O art. 7º da referida lei destaca que as medidas de restrição podem ser impostas pelos diversos entes da Federação, sendo o Ministério da Saúde ou gestores locais de saúde. No entanto, em caso de atividades essenciais é vedada a restrição à circulação de trabalhadores, bem como as cargas de qualquer espécie que possam acarretar desabastecimento de gêneros necessários à população. As atividades essenciais foram regulamentadas pelos Decretos nº 10.282/20 e 10.292/20 e são, dentre outras: assistência à saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares; assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade; segurança pública e privada, incluídas a vigilância, a guarda e a custódia de presos; transporte intermunicipal, interestadual e internacional de passageiros e o transporte de passageiros por táxi ou aplicativo; serviços funerários; compensação bancária; redes de cartões de crédito e débito; caixas bancários eletrônicos e outros serviços não presenciais de instituições financeiras; mercado de capitais e seguros; cuidados com animais em cativeiro; atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde; e unidades lotéricas. Pela urgência para a aquisição de bens e serviços a referida lei dispensa a licitação, mas é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (§1º do art. 4º). Algumas medidas mostram-se desafiadoras, mas podem render interessantes avanços como as ações de telemedicina, dispostas na Portaria nº 467 de 2020, onde autorizam os profissionais médicos para a interação à distância, contemplando o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do SUS e na saúde suplementar e privada. Ademais, é autorizada a emissão de receitas e atestados médicos à distância e será válida em meio eletrônico, mediante o cumprimento de determinadas normas dispostas no art. 6º da referida Portaria. O recrutamento de estudantes da área da saúde também foi regulamentado pela Portaria nº 356 de 2020, sendo autorizados os alunos dos dois últimos anos do curso de medicina e do último ano dos cursos de enfermagem, farmácia e fisioterapia do sistema federal de ensino, a possibilidade de realizar o estágio curricular obrigatório em unidades básicas de saúde, unidades de pronto atendimento, rede hospitalar e comunidades (art. 1º). Para os alunos de medicina a atuação deve ocorrer exclusivamente nas áreas de clínica médica, pediatria e saúde coletiva no apoio às famílias e aos grupos de risco, de acordo com as especificidades do curso. Quanto aos estudantes dos cursos de fisioterapia, enfermagem e farmácia, os alunos atuarão em áreas compatíveis com os estágios e as práticas específicas de cada curso. Como pode ser visto, no enfretamento de uma pandemia a produção legislativa deve ser contínua de forma a dar legitimidade para a atuação dos gestores e fazer com que o planejamento da ação consiga ser a mais efetiva possível. Os profissionais do Direito devem estar atentos às diversas medidas, auxiliando a interpretação das normas e denunciando caso qualquer irregularidade possa ser cometida. [1]https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2020/03/13/internas_opiniao,833946/artigo-o-fracasso-da-narrativa-desprovida-de-solidariedade.shtml [2] https://gisanddata.maps.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6
Por Alan Martinez Kozyreff 18 de agosto de 2022
Dentre os debates mais acalorados que existem no mundo, certamente um dos mais presentes, é sobre a viabilidade ou não da utilização do princípio ativo cloroquina e hidroxicloroquina, isoladamente ou associadas à azitromicina (antibiótico). Não se pretende neste texto um debate acerca da sua adoção no tratamento ou mesmo o debate sobre os estudos que comprovariam, ou não, a sua efetividade para pacientes portadores de COVID-19. A intenção é trazer a atual visão do Conselho Federal de Medicina (CFM), que foi exposta em 16/04/2020, por meio da Consulta CFM nº 8/2020 Parecer CFM nº 4/2020. O CFM é uma autarquia, com atribuições constitucionais de fiscalização e normatização da prática médica. A entidade possui atribuições de realizar o registro profissional do médico e a aplicação de sanções previstas no Código de Ética Médica e possui funções que atuam em prol da saúde da população e dos interesses da classe médica. A referida autarquia tem sede em Brasília e jurisdição em todo o território nacional, conforme a Lei nº 3.268/57, de 30.9.57, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19.7.58, a Lei n° 11.000, de 15.12.04 e o Decreto n° 6.821, de 14.4.09, possui personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira. No parecer do CFM é reforçada a estratégia de prevenção da infecção pela não exposição de contato ao vírus e, neste sentido, é a recomendação básica de higienização frequente das mãos, evitar tocar os olhos, o nariz e a boca com as mãos não limpas, evitar o contato próximo com as pessoas e cobrir a boca e o nariz com o antebraço ao tossir ou espirrar. Faz também parte da prevenção o isolamento social, o que neste momento, do ponto de vista médico, a única medida eficaz para impedir a disseminação rápida do vírus e uma forma de se evitar a sobrecarga do sistema de saúde. Também se faz necessária a busca por atendimento médico imediatamente quando houver febre, tosse e dificuldade de respirar. Em período de isolamento, menos pessoas são contaminadas e haveria tempo para que possa haver a adequação das unidades de saúde, treinamento de equipes e ampliação da infraestrutura. O CFM deixa claro que o isolamento social não é medida que se possa durar por muito tempo, em razão de fatores de estabilização financeira e da saúde mental dos cidadãos. Também e uma forma de prevenção da transmissão a necessidade de reconhecimento precoce de novos casos, o que deve ocorrer com a realização de testes, pois os casos não detectados e assintomáticos são os maiores responsáveis pela elevada taxa de transmissão. Quanto à terapia farmacológica, o texto reafirma que “não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica”, porém desde 2019 vários medicamentos vêm sendo testados e os resultados são veiculados frequentemente. No entanto até o momento nenhum dos princípios ativos foram aprovados em ensaios clínicos, com desenho cientificamente adequado e dessa forma não podem ser recomendados com segurança. No parecer é trazido ainda que em recente pesquisa sobre o tratamento para conter a epidemia de infecção pelo vírus ebola, muitos medicamentos que demonstraram efeito em estudos de laboratório não foram eficazes ou foram prejudiciais aos pacientes quando passaram para utilização clínica. Dessa forma, é comum a impossibilidade de determinar se um medicamento ainda não testado terá maior benefício ou maior prejuízo se não houver um grupo controle. E é nesse estágio que se encontram a cloroquina e a hidroxicloroquina, isoladamente ou associadas a antibióticos, que têm sido muito utilizados para o tratamento da COVID-19, “considerando suas ações anti-inflamatórias e contra outros agentes infecciosos, seu baixo custo e o perfil de efeitos colaterais ser bem conhecido”. No entanto, o texto expõe que até o momento não existem estudos clínicos de boa qualidade que comprovem sua eficácia em pacientes com COVID-19, mas é ressalvado que esta situação pode mudar rapidamente considerando as pesquisas que são feitas até o momento. A título de exemplo, a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas, em 11 de abril, recomendou cloroquina e hidroxicloroquina, isoladamente ou associadas a azitromicina, em pacientes internados sob protocolos clínicos de pesquisa. A Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) alerto quanto à segurança da cloroquina e hidroxicloroquina, para os seguintes aspectos: Por serem princípios ativos utilizados há muito tempo o seu perfil de segurança é conhecido. A classe dos antimaláricos são considerados imunomoduladoras e não imunossupressoras; As reações adversas mais comuns são relacionadas ao trato gastrointestinal como desconforto abdominal, náuseas, vômitos e diarreia, porém também podem ocorrer toxicidade ocular, cardíaca, neurológica e cutânea; Pacientes portadores de psoríase, porfiria e etilismo podem ser mais suscetíveis a eventos adversos cutâneos, geralmente sem gravidade; Em casos raros, pode ocorrer hemólise em pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase Expondo esses elementos, o CFM expôs que o uso em pacientes com sintomas leves, no início do quadro clínico, com confirmação de COVID-19, se dá a critério do médico assistente, em decisão compartilhada com o paciente. No entanto, o médico é obrigado a relatar ao paciente que não existe até o momento nenhum trabalho que comprove o benefício do uso desses princípios ativos para o tratamento da doença, explicando os possíveis efeitos colaterais, obtendo o consentimento livre e esclarecido do paciente ou dos familiares, quando for o caso. A menção aos familiares se dá em razão que, em muitas ocasiões pode não ser possível ter a declaração de vontade do próprio paciente por limitações físicas ou legais. Tal documento deve ser o mais claro e detalhado possível, em linguagem fácil de ser entendida pelo paciente ou família, deixando-o livre para fazer sua opção. No mesmo sentido, deve ser no caso de pacientes com sintomas importantes, mas ainda sem necessidade de cuidados intensivos, com ou sem necessidade de internação. Em caso de pacientes críticos, que estão recebendo cuidados intensivos, incluindo ventilação mecânica, o uso deve ser considerado condolente, compassivo, pois seria “difícil imaginar que em pacientes com lesão pulmonar grave estabelecida, com resposta inflamatória sistêmica e outras insuficiências orgânicas, a cloroquina ou hidroxicloroquina possam ter um efeito clinicamente importante”. O CFM reforça que o princípio norteador do tratamento é o da autonomia do médico e a valorização da relação médico-paciente. Esta deve ser próxima com o objetivo de oferecer ao paciente o melhor tratamento médico disponível no momento. Também é exposto que, diante da situação excepcional apresentada e durante o período declarado da pandemia, o médico que utilizar a cloroquina ou hidroxicloroquina não cometerá infração ética, desde que esteja nos termos acima expostos. Ao final do texto, é reforçado ainda que as considerações expostas são um retrato do momento, mas que podem ser modificadas a qualquer tempo pelo CFM com base em novos resultados das pesquisas que forem divulgados na literatura.
Por Alan Martinez Kozyreff 18 de agosto de 2022
Dentre os debates mais acalorados que existem no mundo, certamente um dos mais presentes, é sobre a viabilidade ou não da utilização do princípio ativo cloroquina e hidroxicloroquina, isoladamente ou associadas à azitromicina (antibiótico). Não se pretende neste texto um debate acerca da sua adoção no tratamento ou mesmo o debate sobre os estudos que comprovariam, ou não, a sua efetividade para pacientes portadores de COVID-19. A intenção é trazer a atual visão do Conselho Federal de Medicina (CFM), que foi exposta em 16/04/2020, por meio da Consulta CFM nº 8/2020 Parecer CFM nº 4/2020. O CFM é uma autarquia, com atribuições constitucionais de fiscalização e normatização da prática médica. A entidade possui atribuições de realizar o registro profissional do médico e a aplicação de sanções previstas no Código de Ética Médica e possui funções que atuam em prol da saúde da população e dos interesses da classe médica. A referida autarquia tem sede em Brasília e jurisdição em todo o território nacional, conforme a Lei nº 3.268/57, de 30.9.57, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19.7.58, a Lei n° 11.000, de 15.12.04 e o Decreto n° 6.821, de 14.4.09, possui personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira. No parecer do CFM é reforçada a estratégia de prevenção da infecção pela não exposição de contato ao vírus e, neste sentido, é a recomendação básica de higienização frequente das mãos, evitar tocar os olhos, o nariz e a boca com as mãos não limpas, evitar o contato próximo com as pessoas e cobrir a boca e o nariz com o antebraço ao tossir ou espirrar. Faz também parte da prevenção o isolamento social, o que neste momento, do ponto de vista médico, a única medida eficaz para impedir a disseminação rápida do vírus e uma forma de se evitar a sobrecarga do sistema de saúde. Também se faz necessária a busca por atendimento médico imediatamente quando houver febre, tosse e dificuldade de respirar. Em período de isolamento, menos pessoas são contaminadas e haveria tempo para que possa haver a adequação das unidades de saúde, treinamento de equipes e ampliação da infraestrutura. O CFM deixa claro que o isolamento social não é medida que se possa durar por muito tempo, em razão de fatores de estabilização financeira e da saúde mental dos cidadãos. Também e uma forma de prevenção da transmissão a necessidade de reconhecimento precoce de novos casos, o que deve ocorrer com a realização de testes, pois os casos não detectados e assintomáticos são os maiores responsáveis pela elevada taxa de transmissão. Quanto à terapia farmacológica, o texto reafirma que “não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica”, porém desde 2019 vários medicamentos vêm sendo testados e os resultados são veiculados frequentemente. No entanto até o momento nenhum dos princípios ativos foram aprovados em ensaios clínicos, com desenho cientificamente adequado e dessa forma não podem ser recomendados com segurança. No parecer é trazido ainda que em recente pesquisa sobre o tratamento para conter a epidemia de infecção pelo vírus ebola, muitos medicamentos que demonstraram efeito em estudos de laboratório não foram eficazes ou foram prejudiciais aos pacientes quando passaram para utilização clínica. Dessa forma, é comum a impossibilidade de determinar se um medicamento ainda não testado terá maior benefício ou maior prejuízo se não houver um grupo controle. E é nesse estágio que se encontram a cloroquina e a hidroxicloroquina, isoladamente ou associadas a antibióticos, que têm sido muito utilizados para o tratamento da COVID-19, “considerando suas ações anti-inflamatórias e contra outros agentes infecciosos, seu baixo custo e o perfil de efeitos colaterais ser bem conhecido”. No entanto, o texto expõe que até o momento não existem estudos clínicos de boa qualidade que comprovem sua eficácia em pacientes com COVID-19, mas é ressalvado que esta situação pode mudar rapidamente considerando as pesquisas que são feitas até o momento. A título de exemplo, a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas, em 11 de abril, recomendou cloroquina e hidroxicloroquina, isoladamente ou associadas a azitromicina, em pacientes internados sob protocolos clínicos de pesquisa. A Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) alerto quanto à segurança da cloroquina e hidroxicloroquina, para os seguintes aspectos: Por serem princípios ativos utilizados há muito tempo o seu perfil de segurança é conhecido. A classe dos antimaláricos são considerados imunomoduladoras e não imunossupressoras; As reações adversas mais comuns são relacionadas ao trato gastrointestinal como desconforto abdominal, náuseas, vômitos e diarreia, porém também podem ocorrer toxicidade ocular, cardíaca, neurológica e cutânea; Pacientes portadores de psoríase, porfiria e etilismo podem ser mais suscetíveis a eventos adversos cutâneos, geralmente sem gravidade; Em casos raros, pode ocorrer hemólise em pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase Expondo esses elementos, o CFM expôs que o uso em pacientes com sintomas leves, no início do quadro clínico, com confirmação de COVID-19, se dá a critério do médico assistente, em decisão compartilhada com o paciente. No entanto, o médico é obrigado a relatar ao paciente que não existe até o momento nenhum trabalho que comprove o benefício do uso desses princípios ativos para o tratamento da doença, explicando os possíveis efeitos colaterais, obtendo o consentimento livre e esclarecido do paciente ou dos familiares, quando for o caso. A menção aos familiares se dá em razão que, em muitas ocasiões pode não ser possível ter a declaração de vontade do próprio paciente por limitações físicas ou legais. Tal documento deve ser o mais claro e detalhado possível, em linguagem fácil de ser entendida pelo paciente ou família, deixando-o livre para fazer sua opção. No mesmo sentido, deve ser no caso de pacientes com sintomas importantes, mas ainda sem necessidade de cuidados intensivos, com ou sem necessidade de internação. Em caso de pacientes críticos, que estão recebendo cuidados intensivos, incluindo ventilação mecânica, o uso deve ser considerado condolente, compassivo, pois seria “difícil imaginar que em pacientes com lesão pulmonar grave estabelecida, com resposta inflamatória sistêmica e outras insuficiências orgânicas, a cloroquina ou hidroxicloroquina possam ter um efeito clinicamente importante”. O CFM reforça que o princípio norteador do tratamento é o da autonomia do médico e a valorização da relação médico-paciente. Esta deve ser próxima com o objetivo de oferecer ao paciente o melhor tratamento médico disponível no momento. Também é exposto que, diante da situação excepcional apresentada e durante o período declarado da pandemia, o médico que utilizar a cloroquina ou hidroxicloroquina não cometerá infração ética, desde que esteja nos termos acima expostos. Ao final do texto, é reforçado ainda que as considerações expostas são um retrato do momento, mas que podem ser modificadas a qualquer tempo pelo CFM com base em novos resultados das pesquisas que forem divulgados na literatura.
Por Alan Martinez Kozyreff 18 de agosto de 2022
O tema do momento é, sem dúvida, a chamada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A Lei nº 13.709/2018, sancionada em 14/08/2020 pelo Presidente Michel Temer, tem sua vigência bastante debatida atualmente pois está na dependência da sanção do atual Presidente da República. De fato trata-se de uma lei bastante importante, pois permite que o cidadão tenha controle sobre suas informações, como serão utilizadas e armazenadas por pessoas físicas, empresas, organizações e governo, ou seja, garante a chamada autodeterminação informacional. Atualmente vivemos em uma Sociedade da Informação embasada em tecnologias de informação e comunicação que envolvem aquisição, armazenamento, processamento e distribuição da informação por meios eletrônicos. A informação pessoal, neste contexto, é encarada como uma verdadeira commodity e desponta como modelo de negócio, com a intenção de extrair valor monetário deste fluxo informacional de dados. Dessa forma, o conhecimento e a informação são vitais para esta sociedade e sua utilização mostra-se potencializada pelo uso da internet (COSENZA et. MOURA, 2019). Diante desse contexto, a Lei nº 13.709/2018 surge como forma de trazer proteção para os dados pessoais e define a forma com que são colhidos e armazenadas por pessoas físicas ou pessoas jurídicas, nos ambientes on-line ou off-line. Os dados pessoais possuem uma enorme relevância e muitas empresas utilizam deste tráfego de informações para produzir novos produtos, oferecer serviços e produtos que tenha interesse ou até mesmo comercializar com outras empresas. Na área da saúde, especialmente no Direito Médico, o tema da segurança das informações é bastante relevante, uma vez que na atuação profissional existe uma reunião de dados de pacientes como diagnósticos, anamnese, laudos, prescrições médicas, exames etc. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais visa a criação de um ambiente de segurança das informações individuais para coibir um mercado de dados pessoais para fins comerciais onde não há autorização da pessoa. Isso fica bastante claro já pelo art. 1º da lei, pois a regulamentação da proteção dos dados engloba tanto pessoas naturais (pessoas físicas) quanto jurídicas (de direito público ou direito privado) e dessa forma, no campo do Direito Médico, sua abrangência se dá tanto a profissionais autônomos quanto hospitais, clínicas etc. Uma diretriz básica da legislação é que os dados somente poderão ser recolhidos e mantidos em caso de autorização da pessoa e deve haver, por parte daquele que irá coletar o dado, aviso explícito que o dado está sendo coletado e qual será a circunstância do seu uso. O usuário/paciente ainda poderá revogar a qualquer momento esse consentimento e então ter acesso aos seus dados para fins de alterações, atualizações, correções e supressões nos termos do art. 18 da lei. O titular também tem o direito de ser informado em caso de falha na proteção de seus dados. Além disso, há necessidade de criptografia para proteger as mensagens trocadas entre médicos e pacientes. A legislação ainda concede proteção maior aos chamados dados sensíveis, sendo estes os expostos no inciso II do art. 5º da LGPD: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural. Para estes dados, há possibilidade do tratamento ocorrer sem o consentimento do titular, mas isso se dará em casos específicos como no caso de procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária, garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular. Destaca-se que é vedada a prática de compartilhamento de dados com o objetivo de obtenção de vantagem econômica, conforme o § 4º do art. 11. A exceção é para os casos de prestação de serviços de assistência farmacêutica e de assistência à saúde, desde que observada a restrição dos planos de saúde em praticar seleção de riscos para contratação, incluídos os serviços auxiliares de diagnose e terapia, em benefício dos interesses dos titulares de dados, e para permitir a portabilidade de dados quando solicitada pelo titular ou as transações financeiras e administrativas resultantes do uso e da prestação dos serviços. No caso do fornecimento de dados, os estabelecimentos de saúde somente devem pedir os dados relevantes para o serviço a ser prestado, e o paciente terá o direito de saber a finalidade podendo questionar sobre a relevância da informação. Com relação aos dados sobre saúde, é certo que os médicos e os serviços de saúde já possuem a diretriz do cuidado com as informações dos pacientes, pois este tem o direito à privacidade, ao sigilo e inviolabilidade de suas informações pessoais, bem como, o histórico clínico, prontuário, tratamentos realizados, medicação etc. A proteção do sigilo referente aos dados e ao prontuário do paciente, já é prevista pelo Código de Ética Médica (Resolução nº 2.217 de 27 de setembro de 2018) e pela Lei nº 13.787/2018, que regula a digitalização e a utilização de sistemas informatizados para a guarda, o armazenamento e o manuseio de prontuário de paciente. Na LGPD tais informações integram a categoria dos dados sensíveis. De todo o caso, as regras expostas na LGPD aplicam-se a situações como no acesso a exames via plataformas digitais, na telemedicina e ainda na Troca de Informações na Saúde Suplementar – TISS (padrão obrigatório para as trocas eletrônicas de dados de atenção à saúde dos beneficiários de planos, entre os agentes da Saúde Suplementar)[1]. A legislação impõe que a pessoa natural ou a jurídica no caso da saúde, ou seja, o médico ou a empresa médica, indique uma pessoa (física ou jurídica) que terá a incumbência de efetuar a proteção dos dados no sistema (do inglês, Data Protection Officer – DPO), podendo haver a gestão por meio de terceirização de serviços. Destaca-se ainda que esses dados também serão disponibilizados no sistema da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), órgão federal que terá a incumbência de editar, elaborar normas e fiscalizar procedimentos relacionados à gestão e à proteção dos dados de usuários. As empresas e os profissionais que não se adequarem poderão ser passíveis de punições e é por este motivo que a busca por adoção destes protocolos é necessária. No caso de comprovação de infração, a penalidade poderá ser de advertências ou aplicação de multa equivalente a 2% sobre o faturamento bruto total no seu último exercício, desde que respeitado o limite máximo de R$ 50 milhões por infração (art. 52 da Lei). Pode ocorrer ainda a suspensão total ou parcial das operações que envolvam o tratamento de dados, e haver a responsabilização em âmbito judicial por outros tipos de violações à lei. As punições previstas serão aplicadas pela ANPD, mas este órgão ainda não está em atividade, no entanto, a responsabilidade civil do controlador ou do operador já ocorre no âmbito patrimonial, moral, individual ou coletivo em caso de dano. Diante da importância dos dados, bem como do risco de imposição de sanções, há necessidade de adaptação desta nova realidade e, portanto, realização das adequações como, por exemplo, nomeação do protetor de dados, obter fluxo de documentos e procedimentos, treinamento de equipes, ações educativas, revisão periódica de protocolos, estabelecimento de políticas de segurança, e outras. Tais protocolos também farão com que o profissional ou a empresa possam transmitir maior credibilidade para os usuários, pois terão segurança que os seus dados pessoais estarão protegidos. [1] http://www.ans.gov.br/prestadores/tiss-troca-de-informacao-de-saude-suplementar
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